Não era decidida, não era resolvida. Acreditava que havia perdido aquele "fio da meada" da própria vida, e resgatá-lo talvez seria uma tarefa difícil e duradoura.
Poderia levar anos para ficar bem, ou poderia morrer sem saber. Aquela agonia da dúvida de ter ou não uma própria essência, ou de qualquer outra coisa
que lhe caracterizasse, ou se um dia se realizaria como pessoa, começava aterrorizar sua vida mundana e até mesmo seu espaço particular de sonhos.
Certa vez, sonhou com algo que a fez pensar desesperadamente sobre o que estava havendo. Estava nua, completamente nua, em meio a uma multidão que parecia não
notar sua presença, mesmo estando no estado que se encontrava. No começo estava aos prantos, se entregando ao delírio e se sentindo a vulnerabilidade
encarnada. Mas depois, percebendo a indiferença das pessoas, o desdém dos olhares que não se direcionavam pros seios à mostra, começou a gritar loucamente,
mas sem ser ouvida, chamando a atenção mas sem ser percebida. Definitivamente, não estava lá.
Nada que fizesse iria adiantar, e talvez por isso, num súbito instante, seu sonho mudou de rumo, de cenário e de vestes. Agora, estava sozinha em sua casa,
e vestida adequadamente, porém, agora com um detalhe intrigante que chama a atenção. Não enxergava através dos olhos convencionais, aqueles pregados no rosto, enxergava fora do seu corpo,
através de um outro globo ocular, mais distante e onisciente, pois podia-se vê por completo de carne e osso, e por incompleto vendo dentro de si um buraco, um vazio imenso. E aí então acabou.
Quando acordou, não estava se sentindo triste, ou preocupada com o que havia sonhado, mas se sentia em estado de alerta, como se tivesse sacado alguma coisa importante.
Pensou, pensou e concluiu ali na mesma hora, que até nos sonhos, o único lugar que poderia ser quem quizer, estava sendo reflexo da meia vida que levava. E isso era inadmissível.
Já estava na hora de virar gente, fazer valer a sua existencia. Estava dormindo para o mundo, e precisava acordar rápido, antes que morresse dormindo sem ter visto nada.
Ao acordar de verdade - nos dois sentidos-, caminhou até o banheiro e se observou durante algum tempo. Viu o quanto poderia ser charmosa, mas viu o quanto estava desperdiçando esse charme. Não era linda, mas era charmosa.
Pegou no cabelo, tocou o rosto e tocou os lábios. Era real, e não um sonho.
Saiu de casa diposta a mudar seu jeito taciturno e infeliz de ser, disposta a se arriscar. Deu-se até a liberdade de sair cantarolando alguma nota dos anos 70 de Pink Floyd que adorava escutar, demonstrando assim os primeiros sinais
de uma vida que começava a se descobrir, que começava a se aflorar.
Por: Érika Cruz